O Papel do Neuropsicólogo ao tratamento Neurológico
Por: Thirzá Baptista Frison
Pode se dizer que ao longo das duas últimas décadas, em especial, houve um crescimento importante no conhecimento clínico acerca das alterações cognitivas e/ou comportamentais relativas a determinadas doenças neurológicas (tais como demências, esclerose múltipla, epilepsias entre outras.). Muitas delas já são bastante conhecidas do ponto de vista médico, e agora passam a ser melhor detalhadas, do ponto de vista cognitivo. Dificuldades de memória, de atenção e de planejamento, além de alterações na linguagem podem refletir danos que ocorrem a nível cerebral. . É função do neuropsicólogo: 1) investigar com o auxílio de instrumentos neuropsicológicos (testes e tarefas) os déficits cognitivos, comunicativos e comportamentais adquiridos pós-lesão neurológica ou em decorrência de processos neurodegenerativos, em um processo investigativo denominado Avaliação Neuropsicológica (AN); 2) auxiliar o paciente na recuperação ou redução dos déficits cognitivos constatados, o que se refere à terapia de Reabilitação Cognitiva (RC).
Indicações clínicas da avaliação neuropsicológica
Na prática clínica é comum a indicação de AN nos casos onde há a suspeita de demências (do tipo Alzheimer, frontotemporal, vascular, por exemplo), de transtornos relacionados à atenção e ou funções executivas (transtorno do déficit de atenção, síndromes disexecutivas), na análise de sequelas de insultos ao Sistema Nervoso Central (tais como traumatismo crânio-encefálico, tumor, acidente vascular cerebral, encefalite, epilepsia, esclerose múltipla, HIV, drogas, intoxicação por metais pesados), na avaliação dos problemas cognitivos relacionados ao desenvolvimento (retardo mental), na diferenciação do diagnóstico de déficit cognitivo por causa neurológica e/ou emocional (doenças psiquiátricas como depressão, esquizofrenia, por exemplo), na análise do impacto cognitivo diante dos distúrbios do sono, entre outros quadros que se relacionam a alterações na cognição ou no comportamento.
A AN é realizada em alguns encontros com o paciente (em geral, tratam-se de sessões de 50 minutos a 1hora cada, sendo que o número de sessões depende da bateria de instrumentos a serem aplicados), pode ocorrer no âmbito hospitalar, domiciliar ou no consultório. Acompanha a aplicação dos instrumentos as entrevistas com o paciente e familiares (ou cuidadores). Ao final da investigação, é fornecido um laudo onde fica documentado o perfil neuropsicológico do paciente no período da investigação. É recomendável, para fins de conhecimento e proteção (tanto para o médico como para o paciente) a realização de AN em periodos pré e pós-cirurgias neurológicas para constatação dos déficits cognitivos presentes em ambos os momentos da vida do paciente.
Indicações clinicas da reabilitação cognitiva
Uma vez feito o diagnóstico neurológico, é possível que alguns pacientes venham a se beneficiar da RC. A reabilitação cognitiva consiste em uma tentativa de recuperação ou redução dos déficits cognitivos, comunicativos e comportamentais adquiridos pós-lesão neurológica ou em decorrência de processos neurodegenerativos, e está baseada nos princípios de neuroplasticidade. A neuroplasticidade pode ser entendida como a capacidade do sistema nervoso mudar e alterar, de modo duradouro, sua estrutura e função.
Também pode ser concebida como um trabalho de construção e aprimoramento de funções neuropsíquicas em indivíduos com déficits no desenvolvimento neurológico (como no caso do retardo mental). A RC está indicada, portanto, nos casos em que os déficits cognitivos encontrados na AN são de fundo neurológico, orgânico, e não emocional.
Diversas são as abordagens de intervenção utilizadas com os pacientes, e a(s) técnica(s) escolhida(s) pode(m) ser utilizada(s) de forma isolada e progressiva, ou concomitante a outras técnicas, em paralelo. A RC envolve 3 linhas principais: a Reabilitação Clínica (lingüística, motora e cognitiva), trabalhada com o paciente muitas vezes por meio do “treino cognitivo”; a Reabilitação sócio-afetiva e emocional , que envolve possibilidades de reinserção do paciente no âmbito sócio-cultural e familiar; e a 3) Reabilitação vocacional, que implica em um investimento na possibilidade de retorno ao estudo ou a trabalho, ou ainda descoberta de uma nova atividade.
Variedade de técnicas de reabilitação cognitiva
Os principais fatores, segundo Sohlberg & Matter (2009), que determinam a escolha de uma determinada técnica ao invés de outra referem-se principalmente à especificidade da sequela cognitiva (o que normalmente está relacionado ao tipo, ao tempo e à extensão do dano neurológico), à idade do paciente criança, adulto jovem ou idoso, por exemplo), à escolaridade (níveis de inteligência e educação pré-mórbidos), à bagagem cultural, ao abuso pré-mórbido de drogas e aos aspectos psicológicos do paciente. Isso inclui, por exemplo, o momento em que ele se conscientiza e aceita suas dificuldades e também sua capacidade demonstrada de engajamento nos programas de reabilitação.
Dentre as inúmeras técnicas utilizadas na Reabilitação Clínica, existem aquelas que buscam restaurar a função por meio de estimulação dos déficits encontrados, e que acabam, por vezes, recrutando o trabalho de áreas encefálicas adjacentes à lesão neurológica, as técnicas de estimulação dos acertos em prol dos erros, a conscientização dos erros, o trabalho de reforço e manutenção das habilidades aprendidas e relacionadas às atividades de vida diária, e as modificações no ambiente, com uso de estratégias compensem os déficits encontrados (como por exemplo o uso de sinalizações e lembretes nos déficits de memória).
Embora na maioria dos casos sejam realizados de forma individual, os tratamentos na área de RC podem ser feitos em grupo, e devem incluir programas de orientação a familiares e acompanhantes. Em muitos casos, a conjugação entre terapia de reabilitação e a psicoterapia deve estar associada, principalmentepara a compreensão e elaboração das perdas advindas da doença. A medida de sucesso de uma estratégia de reabilitação não é aquela observada somente no consultório, mas a que é avaliada em casa, na vida diária do paciente, pois a meta do trabalho é tornar o paciente o mais funcional e adaptado ao seu ambiente (De Gouveia, 2004).
Benefícios da RC:
Uma vez bem conduzido, o tratamento de RC pode, em um primeiro momento, auxiliar o paciente neurológico no retorno às atividades de vida diária e cuidados pessoais, os quais podem ter sido afetados pela doença neurológica. Posteriormente, os benefícios podem ser visualizados na readaptação ao ambiente social e familiar, na formação de novos vínculos, e na reconstrução da vida laboral (retorno à atividade que vinha fazendo ou inserção em um novo tipo de trabalho). Nos casos de doenças neurodegenerativas, como os quadros de demência, por exemplo, este tipo de intervenção pode auxiliar o paciente na manutenção, por um maior espaço de tempo, das habilidades cognitivas construídas ao longo da vida. Nesses casos, familiares e/ou cuidadores costumam referir maior compreensão dos reais limites e potencialidades do paciente, o que geralmente contribui para um melhor desenrolar dos processos de ganhos ou de perdas.
Bibliografia:
- Abrisqueta-Gomez, J. A; Dos Santos, F.H ( 2006). Reabilitação Neuropsicológica, da teoria à prática. Artes Médicas. São Paulo.
- De Gouveia, P.A.R. Reabilitação Neuropsicológica em Lesão Cerebral Adquirida. In: Andrade, V.M; Dos Santos, F.H; Bueno, O.F.A. Neuropsicologia Hoje. Artes Médicas. São Paulo, 2004. Cap. 16. 307-317.
- Sohlberg, M.M; Mateer, C.A. ( 2009). Reabilitação Cognitiva- uma abordagem neuropsicológica integrativa. Santos Editora. São Paulo.
