Esclerose Múltipla: O que é importante saber sobre a EM
A esclerose múltipla (EM) é uma doença neurológica crônica, desmielinizante, que atinge o sistema nervoso central de adultos jovens (Andrade, 2004). Trata-se de uma doença inflamatória com possíveis acometimentos do sistema auto- imune.
Representa uma das doenças neurológicas mais comuns em pessoas jovens, acarretando, como sintomas principais, as dificuldades visuais, cognitivas, comprometimento de funções de extremidades superiores, descontrole da bexiga e do intestino, alterações na mobilidade, e fadiga (Andrade e cols, 2003). Com o tempo, e conforme a resposta de cada individuo portador dessa doença, poderemos visualizar uma piora do quadro, ou uma certa estabilização de seu curso.
A EM é uma doença comum em países de clima temperado e frio, sendo que ultimamente tem sido crescente o número de casos em países tropicais. Em muitos países da Europa e Estados Unidos a distribuição da EM é relativamente alta (30 casos ou mais a cada 100.000), sendo que a prevalência é proporcional ao aumento da latitude (Kurtzke, 1980). Em países tropicais como o Brasil, parece ocorrer uma prevalência de 4.27 em cada 100.000, como é caso de São Paulo (Callegaro, e cols., 1992). Embora esse estudo tenha colocado o Brasil como uma zona de baixo risco (menos de 5 em cada 100.000), alguns pesquisadores vem observando mudanças recentes nessa situação.
De causa ainda desconhecida, a EM foi descrita inicialmente, em 1868, pelo neurologista francês Jean Martin Charcot, que a denominou "Esclerose em Placas", descrevendo as áreas circunscritas como ”endurecidas”, as quais foram identificadas em autópsia, disseminadas pelo SNC dos pacientes.
Não existe cura para a EM, mas sim uma tentativa de estabilização de seus sintomas.
A idade média dos pacientes encontra-se entre os 20 e os 40 anos, sendo menos freqüente em crianças e idosos (Mckhann, 1982). O fato de acometer indivíduos em idade produtiva faz com que a EM possa acarretar perdas funcionais tanto a nível pessoal (no caso do portador desta doença), como social. Uma vez não tratado, o indivíduo com EM poderá sofrer afastamento mais precoce de suas ocupações laborais e responsabilidades civis. Ao contrário, quando corretamente diagnosticado e tratado, o paciente poderá permanecer por mais tempo ativo em sua rotina.
O diagnóstico desta doença leva em consideração uma série de sintomas: (1) alteração em feixes nervosos que constituem a substancia branca do cérebro, tronco encefálico e medula; (2) uma multiplicidade de lesões nos exames neurológicos de imagem e (3) distribuição temporal de surtos que ocorrem eventualmente, o que pode dificultar um diagnóstico precoce em fases iniciais da doença (Andrade e cols., 1999).
Para uma pessoa leiga, o “surto”pode ser entendido como uma “perda da função”. Um indivíduo que tem a visão saudável, por exemplo, pode ficar com ela comprometida. Uma perda da audição momentânea sem outra explicação, ou até mesmo a perda de força nos braços, podem se constituir em exemplos do que se chama de “surto”. É importante lembrar, no entanto, que nem toda a perda do movimento, ou de força, ou até mesmo da visão implica em um diagnóstico de EM.
As variações que ocorrem em cada paciente são difíceis de serem quantificadas na prática neurológica, tornando-se um desafio importante para os pesquisadores desse campo da neurologia a construção e a utilização de instrumentos disponíveis que se proponham a esse fim (Tilbery e cols., 2005).
As manifestações clínicas da EM variam de paciente para paciente, sendo sua evolução, em geral, não linear, caracterizada por piora dos sintomas, acúmulo de incapacidades intercalados, no início da doença, por períodos variáveis de melhora (Tilbery e cols., 2005),
Alguns autores categorizam a EM em 2 subtipos: a) Esclerose Progressiva, quando os sintomas aumentam progressivamente com o acúmulo de disfunções orgânicas, ou b) Esclerose do tipo surto-remissão (“relapsing-remmitting”), quando ocorrem surtos agudos seguidos de uma recuperação parcial ou total, sem progressão do quadro entre os surtos (Andrade e cols., 2003).
Coyle (2005) classifica a EM nos sub-tipos: 1) Surto- Remissão: o qual abrange 80 a 85% dos casos, sendo caracterizado pela presença de ataques agudos, seguidos por períodos de remissão, e uma linha de base constante entre os ataques; 2) Secundariamente Progressiva: abrange 30 a 50% dos pacientes com EM do tipo Surto-Remissão, e caracteriza-se por uma deterioração progressiva, com ataques menos marcantes, e ausência de remissão dos sintomas; ocorrendo geralmente após 10 anos do início dos ataques; 3) Primariamente Progressiva: o qual é caracterizado por um deterioro progressivo desde o início da doença e ausência de surtos, ocorrendo entre 10 a 15% dos casos; e 4) Progressiva com surtos: ocorrendo em aproximadamente 6% dos casos, apresenta-se na forma primariamente progressiva com surtos simultaneamente (Andrade, 2004).
Tudo o que se sabe acerca do paciente com EM se deve a grande quantidade de estudos que vem sendo realizada com o propósito de conhecer, diagnosticar e tratar os indivíduos portadores dessa doença.
Somando-se a isto, Haase e cols. (2004), referem o fato de que a disponibilidade de fármacos com eficácia terapêutica demonstrada na modificação do curso clínico da EM tornou eticamente inaceitável o emprego de grupos placebos em ensaios clínicos, exigindo o desenvolvimento de medidas mais precisas e sensíveis para avaliar os resultados de futuros ensaios clínicos.
Assim, algumas medidas foram criadas com o intuito de acompanhar a evolução da doença permitindo ao médico saber em que grau de comprometimento encontra-se o seu paciente.
Até o presente momento, a avaliação longitudinal mais utilizada com paciente de EM é aquela realizada com a Expanded Disability Status Scale (EDSS), devido a sua familiaridade, abrangência das várias funções do sistema nervoso e facilidade de aplicação (Jacobs et al, 1996;Tilbery e cols., 2005).
Em relação ao acometimento da cognição, um estudo realizado por Andrade e cols.(1999), na cidade de São Paulo comparando o perfil neuropsicológico de indivíduos portadores de esclerose múltipla com sujeitos sadios revelou que a inteligência geral, em ambos os grupos, estava preservada, sendo identificados, porém, para o primeiro grupo, déficits a nível de aprendizagem, memória verbal de longo prazo, memória visual de longo prazo de figura complexa, lentificação no processamento mental e na resposta motora (ambas verificadas por um prejuízo em tarefas cronometradas). Além disso, observou-se no grupo com EM uma maior tendência à depressão, mas não à ansiedade.
Freqüentemente tem se associado a piora cognitiva referente aos estágios finais da doença com o aumento do número das lesões no SNC (Andrade e cols., 1999), embora estas alterações nas funções neuropsicológicas possam surgir em estágios intermediários da doença (Klonoff e cols., 1991). Nesse sentido a avaliação neuropsicológica pode auxiliar os médicos a estimarem o grau de comprometimento cognitivo de cada indivíduo portador de EM, as conseqüências deste quadro e as possibilidades e estratégias para reabilitação.
Ou seja, mesmo que um indivíduo seja portador de EM, ele pode levar uma vida mais próxima do que levava até o momento do diagnóstico, ao exercitar suas habilidades cognitivas e de atividades de vida diária. Nessa etapa podem ser realizados tratamentos de reabilitação neuropsicológica, os quais visam o treino das funções acometidas. Ou seja, uma vez diagnosticada a doença, o paciente pode contar com auxilio medicamentoso e tratamento neuropsicológico específico.
Nem tudo está perdido, é possível ter uma vida longa e feliz mesmo com essa doença.
Por Thirzá Baptista Frison
Especialista em Neuropsicologia - CFP
Sites recomendados:
Associação Brasileira de Esclerose Múltipla: http://www.abem.org.br/
Associação Gaúcha dos Portadores de Esclerose Múltipla:
Referências Bibliográficas:
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